“Migrar é um verbo que deveria ter como definição “coragem”.
Normalmente, usado para mencionar aquele em movimento brusco de mudança, entre milhas de distância, pessoas desesperadas, buscando os “benefícios” de outras nações, fugindo do contexto histórico, natural, político, religioso do local que nasceu, sendo esperado que este lute para mudar o que não quer viver sem “abandonar”.
Muito diferente desse conformismo encapsulado pela maioria dos Chefes de Estado, MIGRAR é simplesmente o direito de mover-se, é transformar, é escolher para onde ir, onde permanecer ou se desejar partir. São os direitos humanos aplicados na sua mais profunda e verdadeira função, a liberdade do indivíduo.
Em tempos em que a diversidade cultural é literalmente palpável, onde todas as pessoas têm acesso à informação e a comunicação instantânea em qualquer lugar do mundo, é cada vez mais repugnante o muro imaginável criado por nações, sem contar as que de fato sobem muros com um verdadeiro arsenal bélico, que tratam pessoas como números de aumento dos custos estatais, das estatísticas do aumento de violência e da pobreza.
A falta de uma política global interessada no ser humano, de líderes que unem ao invés de segregarem, políticas e pautas que estabeleça o livre acesso de pessoas, a dignidade para escolher onde começar ou recomeçar. Depois de tudo que o nosso planeta presenciou antes mesmo da era cristã, quantos idiomas e crenças criadas apenas para diferenciar, separar, para não compartilhar.
Beira o ridículo, em tempos atuais ainda ser utópico o respeito a diversidade, a igualdade, poder escolher onde viver sem ter que antes perder a sua identidade pelo sentimento da fuga. Ver a tecnologia sendo usada para guerra por território, mineral, por poder, pela imposição de crenças, é tão sem sentido, quanto não haver providencias em processos de imigração de pessoas de todas as idades que vivem há anos em acampamentos de refugiados. Barcos que afundam, pessoas que perdem suas vidas de inúmeras maneiras porque as nações estão ocupadas demais provando quem é mais “rico”.
Mais ridículo e angustiante é pensar que esse poder, essa guerra por essa riqueza, é para pouquíssimas pessoas, enquanto a outra parte, que é a maioria está alienada na rotina de manter ou prosperar no micro, por suas casas, carro, núcleo familiar, não pensam que o mundo inteiro é de todos, sem fronteiras, sendo os territórios divididos apenas por águas fluidas, que migram, respirando o ar migrante deste planeta que entram e saem pelos pulmões independente do Deus que se acredita, do gênero, raça ou idioma falado.
Tudo é para nós, seres humanos, entregues da forma mais democrática e partilhada que poderia existir e nós ainda nos matamos pela ganância de sermos únicos, do desejo de controlar o que te falaram que tem valor, porque o que é vital tem em todos os cantos para todos, entregues de forma natural pelo exercício de viver.
O que fazer para mudar o medo das pessoas de reconhecer o migrante como semelhante, o medo de perder o espaço que nem sempre é usufruído para alguém que não nasceu no mesmo seio familiar ou no mesmo solo?
A ignorância e desinteresse em buscar conhecer o que não conhece, uma preguiça e zona de conforto intrínseca, onde é melhor a autocontemplação daquilo que me falaram, do que eu acho que é, do que eu quero que seja, porque é muito trabalho buscar a história na sua base, viajar para ver com os próprios olhos, estudar novos idiomas para ampliar a interpretação e a comunicação, ouvir pessoas, se livrar de tudo que quiseram que você acreditasse como verdade absoluta que te distancia do único e incontestável semelhante, independente de qual extremo uma pessoa nasça ou viva, essa pessoa passou por todas as fases naturais da concepção, tem os órgãos fundamentais, necessitam do mesmo que todos, luz do Sol, água para hidratar, alimento para saciar a fome e tudo isso é trabalhado em seu organismo e dejetado. IGUAL! Exatamente igual!
Até quando vamos permanecer no lugar que nos colocaram com o olhar de estranheza para o outro, ao ponto de sermos insensíveis ou indiferentes a necessidade de auxílio. Enquanto a alienação faz pensar que migrar é uma prisão, o migrante é o ser humano vivenciando o seu maior ato de poder, a sublime arte da luta pela vida, o inconformismo em ação, o olhar para além da imposição e mediocridade.
Como advogada de migração eu tenho o privilégio de atuar para a regularização de estrangeiros no Brasil e de brasileiros que desejam migrar, e nunca perco a oportunidade de olhar nos olhos desses que as vezes considerados apátridas, são livres ao ponto de criar identidades e redefinir sempre que quiser a conduta que fará sentido, com saudades, talvez, porém com novos sonhos, desafios, desejos e liberdade de escolha.”
*Texto Colaborativo escrito pela advogada especialista em imigração, Haryanne Kennedy , para o Projeto Texto Colaborativo com o Migrações em Debate, edição junho de 2023.
Foto da Capa: National Geographic
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