Era um sábado à noite tranquilo. Zayn costumava sempre se encontrar com os seus amigos aos sábados. O pequeno apartamento que ele dividia com mais três pessoas ficava cheio de vida quando os seus amigos chegavam fazendo barulho, e juntos tocavam e cantavam canções árabes. Porém, tudo mudou na manhã do dia 07 de outubro.
Acordei com gritos e portas batendo, não conseguia entender o que Zayn falava, pois na maioria do tempo a nossa comunicação era em um inglês muito limitado. Mesmo sem entender uma só palavra árabe, nunca vou esquecer os seus gritos, eu sabia que eram gritos de dor. Poucas horas depois fui entender o que estava acontecendo no Oriente Médio: mais uma fase de um conflito que se arrastava há décadas, e que foi o principal motivo para Zayn deixar a sua família e fugir.
Zayn deixou a sua terra aos 7 anos de idade. Crianças como ele só teriam dois destinos ali: ou seriam objetos de violência ou encorajadas a participar da violência. Zayn ousou alterar o seu destino e fugiu para o país mais próximo: a Síria, mas mal sabia ele que estava indo para mais uma outra guerra. Ali permaneceu até onde foi possível e quando surgiu a oportunidade, entrou em um barco, mesmo sem saber se chegaria em terra firme.
Ao conseguir chegar até a Turquia, ele ainda tinha mais uma travessia pela frente: 3 meses caminhando até chegar à fronteira da Alemanha. Um dia estávamos na cozinha e Zayn me disse que eu poderia saber de toda a sua história quando ele escrevesse o seu livro. Sorrimos um para o outro, jurando que não veríamos mais capítulos de dor. Mas depois daquele 07 de outubro, Zayn nunca mais foi o mesmo. Não havia mais sorriso e esperança no seu olhar, pois como ele me disse: como é possível ser feliz quando se conhece mais pessoas mortas do que vivas?
Quando chegou o meu dia de ir embora do apartamento, Zayn me deu um abraço e pediu desculpas. Perguntei a ele o porquê de estar fazendo aquilo, e ele me disse que a sua saúde mental não estava muito bem nestes últimos meses, e que por causa disso nós não passamos muito tempo juntos. Olhei fundo nos olhos dele e disse que jamais aceitaria suas desculpas, o mundo é que precisa pedir desculpas a Zayn.
*Texto escrito por Camila Santos Barros Moura, fundadora da comunidade virtual Migrações em Debate
Foto da Capa: CNN Brasil.
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